
Oscar, efeito manada e a necessidade de pertencimento
O que torna um filme bom? Um roteiro com uma premissa forte e personagens bem construídos? Uma direção criativa e singular? Um trabalho de câmera e fotografia cativante que foge do “comum”? Ou a trilha sonora imersiva que nos faz conectar com o filme e nos sentirmos como participantes do enredo? Fato é que, para essa pergunta, as respostas são variáveis e um tanto pessoais.
As diferentes experiências e a própria percepção, singulares do indivíduo, tornam a interpretação de cada película um tanto pessoal, interpretação esta que é construída junto ao nosso inconsciente, fazendo-nos reagir de forma única, assim como a arte num geral. Partindo desse pressuposto, pode-se dizer que medimos a qualidade dos filmes com base nas sensações que atrelamos a eles, sendo assim, a “qualidade” é na verdade relativa.
E onde traçamos a linha que separaria arte de mídia? O cinema é uma forma de arte, ou apenas um produto da chamada “indústria cultural” visando movimentar grandes massas? Na comunicação, a mídia seria um conjunto de meios de comunicação, classificados em duas categorias, mídia física e digital. O cinema, como outras mídias, funciona como um produto de base da sociedade contemporânea, enraizada na psique da comunidade, da consciência e da experiência dos indivíduos. A “industrialização da cultura” não só padroniza todos os meios de expressão artística como impõe o consumo para todos os tipos de idade, principalmente jovens, que não são instigados à crítica e à observação. Uma vez instrumentalizada pela indústria cultural e para a indústria cultural, servirá apenas para a “coisificação” das consciências dos consumidores. Se assim for, desvirtuada pela indústria cultural, a arte perde sua própria natureza, uma vez que não se exprime mais.
Pensando nesse sentido, podemos distinguir dois tipos de cinema: o cinema hollywoodiano, baseado no star system, com todas as regras que lhe são próprias, e um cinema “descolonizado”, que está à margem do sistema. O cinema hollywoodiano, por impor sua força e seus padrões como se fosse a única forma correta de fazer cinema, exercendo uma violência simbólica, estaria se adequando à lógica da indústria cultural. Já o cinema “descolonizado”, por não possuir regra específica, rompe com os modelos estereotipados, o que o desvincula da produção em série, como os filmes de Jean Luc Godard, Akira Kurosawa, Wong Kar-Wai, entre outros, o que o aproxima do conceito de cinema como linguagem e como arte.
Atualmente, graças à internet vivemos em um mundo 100% conectado, e as redes sociais mudaram a forma como as pessoas se comunicam, tanto em espaços públicos ou privados. Mesmo os veículos mais tradicionais de imprensa tiveram que se adaptar a esta mudança nas dimensões midiáticas, influenciadas pelo imediatismo e alto fluxo de informações compartilhadas entre usuários. Porém a influência das redes sociais vai além disso, o poder das plataformas digitais de proliferar narrativas, ideologias e opiniões, podem contribuir num processo de formação de uma “consciência coletiva”, influenciando diretamente no pensamento da sociedade num geral.
A existência dessa consciência coletiva implica uma predominância do grupo em relação ao sujeito, condicionando suas ações e pensamentos a se encaixar nas normas da sociedade na qual ele está inserido. Manipulados pelo que é imposto pela consciência coletiva, os indivíduos tornam-se propensos ao “efeito manada”, conceito herdado dos estudos de psicologia para ilustrar a tendência do indivíduo de seguir as decisões da maioria.
Não obstante, se nós somos influenciados pela grande consciência coletiva que é a internet, as redes sociais acabam por servir de vitrine para nos mostrarmos e procurarmos ser aceitos por esta consciência, gerando uma espécie de necessidade de pertencimento.
Recentemente, com o boom da rede social Letterboxd, que permite expressas opiniões e publicar análises sobre filmes, não demoraria muito para o mundo do cinema ser afetado pelo efeito de consciência coletiva. A popularização da rede resultou num local novo para buscar aceitação online, enviesando a própria percepção e interpretação do indivíduo, resultando na perda da individualidade das sensações transmitidas pelos filmes.
Um grande exemplo disso aconteceu após a última cerimônia do Oscar, onde o filme “Ainda Estou Aqui”, dirigido por Walter Salles, e muito bem interpretado pela atriz Fernanda Torres, fez história sendo o primeiro filme brasileiro a disputar a maior categoria da premiação, além de ser o primeiro a ganhar o prêmio de Melhor Filme Internacional. Além do marco, o filme rendeu uma outra indicação, desta vez na categoria de Melhor Atriz, onde Fernanda Torres concorreu com outros grandes nomes, mas infelizmente não veio a ser premiada, “perdendo” o Oscar para Mikey Madison, que estrelou o filme Anora, filme este que ganhou também a principal categoria do Oscar. Os resultados da cerimônia comoveram a todos, e foi bem comum ver pessoas reavaliando o filme Anora como forma de protesto, falando mal do filme e das atuações, mesmo tendo anteriormente assistido e avaliado bem.
Porém, até que ponto isso não é um reflexo desta contínua perda da opinião e interpretação próprias, um efeito colateral da influência coletiva sobre a percepção individual? Na época em que vivemos, dita pós-moderna, devemos privilegiar a heterogeneidade e a diferença como forças libertadoras na redefinição do discurso cultural, e não nos prender à padronização do conhecimento e da produção, que não nos permite exercer o pensamento crítico e apreciar o cinema enquanto arte.
Lucas “MIUQ” Leite
Estagiário de Design do Instituto Sigales